terça-feira, 24 de junho de 2014

Salamaleico Marrakesh


Quando me chamaram pra ir a Marrakesh, o que foi que eu imediatamente pensei? Por ser na África, a primeira expectativa que eu tinha era referente ao calor. Realidade: Logo cedo e durante à noite, eu sempre tinha que me proteger do frio. (Primeiro preconceito quebrado) As línguas oficiais são o árabe e o francês. E de fato, quando falam em sua língua raiz não dá pra entender absolutamente nada que não um 'salamaleico' ou um 'shukran'.

Primeiro conselho: tenham uma caneta no bolso. Assim que chegamos na imigração tínhamos que preencher um formulário só que não havia com o que escrever. Basicamente você teria que conjurar uma caneta '-' Eu me enfiei num escritório lá e fui pedir uma emprestada, e felizmente o cara me emprestou. Prometi que levaria de volta. (Tudo através de um inglês + mímica = Imagem & Ação) Pegamos um táxi que nos deixaria o mais próximo possível do hostel, mas mesmo assim é difícil guiar-se pelas ruas. Durante a corrida deu pra ter uma vista geral da cidade, e ver que as cores terrais predominavam (vermelho, rosa, bege, amarelo). Ver aqueles cartazes em árabe só lembram aquelas notícias de rebeliões no oriente médio e bem, as lembranças não são muito "acolhedoras", digamos.

O taxista explicou em francês como chegar no hostel, mas mesmo assim não foi de grande ajuda. Um cara nos abordou e disse que sabia como chegar, e mandou a gente seguir ele. Já havíamos sido informados que isso não era uma boa ideia, mas não tínhamos muito o que fazer porque a gente não sabia pra onde ir. Chegando no hostel, ele meio que forçou a gente a pagar o que ele queria o que era uma valor absurdo equivalente a 50 euros por ele ter nos mostrados o caminho de duas/três ruas. Cedemos pagando parcialmente o valor. Segundo conselho: não deem atenção pras pessoas que querem ajudar, ou se realmente precisar de ajuda, negocie logo se vai ou quanto vai lhe custar.

Fomos muito bem recebidos no hostel. Um grande grupo de brasileiros da minha cidade e mais alguns amigos de amigos foram pra Marrakesh e já haviam chegado, então tudo ficou mais fácil. Recebemos um chá de menta com biscoitos e doces assim que chegamos. Eu não gosto de chá, mas eu sou adepto da teoria de que eu só posso dizer que não gosto se eu tiver provado, e aquele era um chá feito na África, e por mais que não seja aconselhável tomar água que não venha dentro de uma garrafinha lacrada, provei do chá. Não gostei, mas pelo menos provei.


O mais engraçado é que meu conhecimento prévio do país (e provavelmente o seu também) vinha da novela 'O Clone'. Logo o termo 'medina', referente ao centro da cidade que fica dentro das muralhas, assim como certos costumes e rituais ou ainda a conhecidíssima palavra 'inxalá' vinham de fácil acesso a memória. Inclusive, alguns reconheceram partes do museu de Marrakesh que foram usadas para gravar cenas da novela.

Para aqueles que vão a Marrakesh é bem comum que se faça um passeio ao deserto. Procuramos algumas companhias que ofereciam o serviço e basicamente podíamos optar entre um pacote com uma noite ou duas noites no deserto. Para o primeiro pacote, o deserto é algo mais próximo da civilização, já que a jornada para que cheguemos ao deserto dura mais ou menos umas 10 horas de carro, numa estrada sinuosíssima de curvas e ladeiras que fizeram metade dos meus amigos passarem mal. No segundo pacote, é possível que se vá mais longe, e atinja-se aquele deserto de dunas imensas no meio nada. Por medo mesmo, optei pelo primeiro pacote. Durante essas 10 horas de viagem fizemos duas paradas pra comer e para o banheiro, e algumas paradas em pontos estratégicos da estrada em que poderíamos tirar fotos com paisagens estonteantes.




Nós chegamos no vilarejo onde o resto da viagem se daria de camelo bem no por do sol, e seguimos nos animais que carregaram todos os nossos pertences (além de nós mesmos) até o acampamento. O céu já demonstrava o espetáculo que viria mais à noite e o por do sol era simplesmente inesquecível. Quanto aos camêlos, bem, os 15 primeiros minutos foram felizes, engraçados, interessantes, o resto foi composto de dores divididas nas partes baixas e companhia. Not good.



Ficamos divididos em tendas de 4 pessoas, com 4 colchões e mantas. Vale uma boa checagem pra buracos né, e uma conferida na cama antes de dormir, afinal era deserto e existe uma coisa chamada escorpiões, além de cobras e enfim, todos esses animais simpáticos que podem ser encontrados. Largamos nossas coisas dentro da tenda, e o frio, a medida que ia anoitecendo, deu seus sinais também. Pra minha felicidade, esqueci meu casaco dentro do carro que viemos. E o desespero já começou a bater desde então.




Foi colocado um tapete na nossa "vila de tendas" e nos trouxeram aquele chá de menta (que eu já não tinha gostado) pra gente tomar. O céu já estava estrelado no estilo "você só vê esse tipo de céu em fotos de lugares sensacionais". Alguns de nós teve sorte de ver estrelas cadentes, tipo eu. Ficamos lá um bom tempo admirando o céu e as estrelas até que bateu um sino lá longe avisando que era hora do jantar. E lá fomos nós andando no meio da escuridão pra outra vila de tendas que possuía a tenda principal com o refeitório. Primeiro nos serviram uma sopa péssima. Consegui tomar umas 4 colheradas mas tem quem tenha gostado. E agora atenção pra próxima refeição. Caros leitores, gostaria de dizer que nunca, mas nunca mais eu vou conseguir comer uma batata cozida como eu comi naquele dia. Tenham noção que era um cozido de frango com batatas, e eu comi tanta batata, mas tanta batata que quando acabou a batata da nossa mesa, que era muita, eu fui comer batata da mesa do lado. Eu ainda sonho com aquela batata, e pelo jeito vou ter que voltar ao Marrocos pra comer daquela batata antes de morrer.

Logo em seguida começaram a tocar lá umas músicas e a gringada e nós brasileiros fomos nos divertindo noite a dentro, até que fizeram uma fogueira do lado de fora. Não faço ideia de que horas a gente foi dormir nessa brincadeira. Ao redor de uma fogueira, com violão, aquele céu inesquecível, boa companhia. Ah, boas lembranças... Mas como eu havia esquecido meu casaco dormi no maior frio da minha vida, com certeza, embora estivesse com roupa e malha térmica por baixo coberto por uma manta absurda de grossa. Mas isso não me impediu de acordar 200 vezes durante a noite sentindo meu corpo todo gelado. Bem, sobrevivi.



Pena que no outro dia a gente já tinha que vir embora. Lá vamos nós em cima dos camelos de volta ao carro. Dessa vez no nascer do sol que cuidou de esquentar bem rapidinho nosso juízo. Foi sensacional. E não foi só 'O Clone' que se ambientou no Marrocos. Uma longa lista de filmes e séries usaram um vilarejo que passamos como base de gravações, dentre os mais conhecidos: O Gladiador, King Kong e Game of Thrones. Desses três, só conseguir lembrar da Khalesii adentrando nos portões da cidade. Tivemos uma boa parada nesse lugar, conhecemos e almoçamos por lá.






A volta foi infinitamente mais rápida que a ida. Só lembro que chegamos bem no fim da noite em Marrakesh e não tinha outra coisa a fazer senão tomar um belo de um banho. Até tinha uma grande tenda banheiro, mas não preciso explicar que as condições eram bem precárias e ninguém tomou banho né? Uma boa noite de sono depois, estávamos nós explorando toda a cidade de Marrakesh que tínhamos.

Partindo pra culinária, dois pratos principais são mais populares entre os turistas: o Tajine/Tagine - nome de uma peça de barro que leva o nome do prato que pode ser composto tanto por frango quanto por carne cozidos com vegetais bem temperados - e o Couscous - o dito original feito com trigo com uma coloração naturalmente branca, porém quando servido adquire uma cor mais amarelada pois é misturado com o caldo em que outras carnes são preparadas. A diferença para o nosso, obviamente, é que o nosso é feito de milho e não de trigo. Os temperos são basicamente, paprica, sweet paprica, curry, cuminho, "4 spices" ou "35 spices". O último dito como o segredo da culinária marroquina. Uma observação ainda é que a adesão aos fasts foods é mais lenta, pois não se vê a incidência de tantas franquias. (Ótimo sinal)



Batata frita é comida universal.
Olha as mulheres de burca que eu fotografei sem querer.


Há uma praça bem no centro da cidade, e à noite há uma diversidade enorme de barraquinhas de comida. A princípio eu fiquei com medo de comer nesses lugares muito abertos que tem uma tendência a ter menores padrões higiênicos, mas era isso ou andar 200 anos pra comer num McDonalds da vida e eu não ia fazer isso. Se a noite a festa é em comida, de dia essa praça vira uma selva, porque há dezenas de cobras e rodas e rodas de turistas querendo tirar fotos delas. Prestem bem atenção, SE vocês tirarem qualquer foto eles vão te perseguir até o inferno cobrando um valor que eles querem, então SE vocês realmente fizerem questão de uma foto dessa, ou de qualquer artista de rua ou loja, ou qualquer coisa que não seja estritamente pública, se preparem pra pagar por ela e negociar antes. Um menino tirou uma foto de um cara que tava sentado equilibrando algo na cabeça, ele correu tão rápido em nossa direção que o grupo todo se assustou. Isso foi só um exemplo de vários. (É por isso que a maioria das fotos que vocês vão encontrar aqui é de lugares fechados ou sem pessoas). Ah, vale lembrar também que é um grande desrespeito tentar tirar fotos de mulheres de burca.



Em Marrakesh é tradicional haver esses estabelecimentos acima que são umas farmácia que vendem de tudo, desde de remédios naturais pra todo tipo de doenças até temperos e maquiagens. Tudo é muito barato e se você souber pechinchar consegue ainda uns descontos muitos bons. Esse cara aí na foto além de mim foi um inglês que eu conheci no hostel. A viagem dele em Marrakesh foi prioritariamente culinária, tanto que ele tinha um livrinho com os melhores lugares (becos) pra se comer em Marrakesh. Ele me convenceu a ir comer num lugar (foto abaixo) que funcionava basicamente assim: você comprava por grama de carne (ou um quilo, ou meio quilo) de todas as partes do animal, e não de uma parte específica. Eu e ele decidimos dividir meio quilo de um porco ou carneiro ou sei lá. Veio o bicho cozido e cortado acompanhado de uma farofa estranha, que eu não comi, e pedimos uma Coca-cola pra ajudar a descer se precisasse. O interessante era comer sem saber o que estávamos comendo, e a parte interessante foi pra um pedaço que eu comi que eu ainda não sei se era um testículo ou um pedaço do cérebro do bicho. E não achem que foi nojento, pois a comida tava bem gostosa e a gente pagou barato também, e foi bem melhor do que fugir pros fast foods. 



Só que achar um lugar pra comer é um pouco complicado. Primeiro que o trânsito é um completo inferno, uma terra de ninguém, uma terra sem lei. As grandes avenidas não tiveram um planejamento de tráfego e minha surpresa foi não ter presenciado nenhum atropelamento. Quando trata-se da situação ruelas da medina - bem, vocês já devem imaginar que é um "labirinto" - a situação é ainda mais complicada. Mapas não são de grande serventia, mas claro que é divertido perder-se (preferencialmente de dia) e acabar encontrando diferentes setores do comércio, embora não seja nem um pouco agradável quando motos, bicicletas, carroças e afins, por pouco, mas por pouco mesmo, não te levam junto.












O comércio foi uma das melhores experiências pra me treinar para a vida. Aqueles homens são imensamente espertos, e vão tentar de todas as formas possíveis te ganharem no papo, ainda mais com produtos tão interessantes, atraente e aparentemente com bom preço.






Não tem como escapar do tópico religião também. Eu que esperava uma invasão maior, encontrei uma nação que se mantém fiel aos costumes. Era muito muito muito raro ver uma mulher sem burca, por exemplo, e sempre que dava a hora de rezar lá, estavam todos aos "berros" - inclusive logo cedo enquanto todos nós estávamos dormindo. Claro que os homens não perdiam a oportunidade de dar uma checada de cima à baixo nas turistas, e nem de conseguir um gole de cerveja (eles não podem beber). No mais, tudo que é regional vem prevalecendo, principalmente pela forte ligação que o país tem com o comércio que fornece basicamente toda a matéria prima para constituir o dia-a-dia marroquino.





Se tem uma coisa que me atrai é o surpreendente e não faltaram acontecimentos desse gênero no Marrocos, fossem paisagens deslumbrantes ou lugares inimagináveis desse país exótico. A experiência torna-se única pela mudança geral de background em todos os sentidos, afinal o novo é sempre mais enigmático ainda mais quando ele se revela tão bom. Seja ao descobri aquela vendinha com uma comida deliciosa, ao sair orgulhoso da loja ao pagar um preço que você tanto custou para barganhar, ao ver aquele céu estrelado que parecia existir apenas em filmes com estrelas cadentes de bônus para realizar desejo - na falta de um gênio que não quer sair da lâmpada - ou o simples fato de você ser agraciado com a oportunidade de conhecer e imergir-se nessa nova cultura. Marrocos promove-se como um destino que fornece esse pacote de experiências por um preço tão barato que te faz refletir se você está pagando o suficiente. Quer um conselho? Não pense muito. Apenas vá! E que Alá te proteja.

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